Entrega, intriga$ & intere$$e$

Imagem: J.Bosco / @jboscocartuns | Artigo publicado originalmente em Aratu On

A conquista de uma Copa do Mundo começa na primeira partida das eliminatórias, atualmente 32 vagas são divididas entre CAF (da África, 5), AFC (Ásia, 4), CONCACAF (da América do Norte, Central e Caribe, 3), Conmebol (da América do Sul, 4), Uefa (da Europa, 13) e OFC (da Oceania, zero) e que sempre disputa a repescagem com as demais para tentar a sorte nas 3 vagas que completam as 32). São dois anos até o título máximo do futebol, somos pentacampeões, em 58;62;70;94,02), e “campeões morais” em 78. Conseguimos esse título por terminarmos em 3º lugar invictos, e para quem não acompanha futebol, recomendo uma breve leitura dos malfeitos ocorridos na Copa da Argentina em 78, para que a sua seleção conquistasse o seu 1º título.

Mas os brasileiros continuavam apaixonados, sofremos em 82 com a seleção dos sonhos, e em 86 um pouco adaptada por Tele Santana, uma geração de craques que mereciam um título. Porém, perdemos o encanto em 90, na “Era Dunga + Lazaroni”, e o Chico Anísio, na época comentarista da Copa 90, disse: “Ganhar seria impossível até porque o nosso técnico tem AZAR inserido no seu nome”. Um fiasco, sendo desclassificado pela Argentina que tentava o tri, mas a Alemanha devolveu a derrota de 86, e foi a partir destes fatos que a “ENTREGA, INTRIGA$ & INTERE$$E$” começaram nos direitos de transmissões dos jogos de futebol.

A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é a instituição internacional que dirige as associações de futebol, futsal e futebol de praia. A FIFA é um organismo fundado em Paris em 1.904, e hoje está sediada em Zurique, na Suíça. Quanto a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, 1.979, é também uma associação privada, e a sua principal atividade econômica é a produção e promoção de eventos esportivos. Sob sua tutela estão as Federações Estaduais, responsáveis pelos campeonatos em cada Unidade da Federativa. Tem sede no Rio de Janeiro, onde possui um centro de treinamento, a Granja Comary, em Teresópolis. Ela é brasileira, mas não dos brasileiros, como a FIFA é mundial, mas não é pública, e como futebol é paixão ninguém discute isso nos botecos.

Portanto, ambas privadas, com direitos autorais e promotoras de eventos, fazem do futebol um negócio milionário. Apenas para se ter uma ideia, o salário do presidente da FIFA em 2019 chegou à pechincha de mais de R$ 17 milhões, fora benefícios, isso para não citar que condiciona e fiscaliza a construção e reformas dos estádios para as Copas. No Brasil foram investidos R$ 25,5 bilhões segundo TCU, e menos de R$ 1,0 bilhão foi privado, entre 2010 e 2014. Com isso, e muito mais, sob holofotes de vários escândalos de corrupção, a conta só fecha se vender muito bem os direitos de transmissão, e o local das sedes em cada país que organizarem e se interessarem pelo produto futebol. Nada tão diferente dos outros esportes e suas Federação e Confederações, “Panem et circenses” da era moderna, ou melhor, “business and circus”.

Mesmo a Copa sendo um excelente produto, houve muitas dificuldades para concluir a negociação das transmissões em 94 no Brasil, que começaram em 91 para 92 pelos amistosos e eliminatórias. Antes, os custos eram compartilhados por todas as redes de televisão, mas houve um desânimo geral por causa do fracasso de 90, E a Globo, fez o que deveria ter feito na época, assumiu o projeto de forma exclusiva por longo prazo e criou o Projeto Futebol conhecido até hoje. As premissas são simples: Cotas exclusivas, entregar visibilidade, acumular GRPs, gerar frequência em toda programação, com reportagens, chamadas, vinhetas, intervalos exclusivos no jornalismo, merchandising, arenas, coletivas de imprensa e claro, transmitir os eventos (jogos). Veja que os jogos ficaram para o final, porque depois de uma entrega volumosa, o evento é brinde. Uma cota para 2021 custou R$ 311,7 milhões no valor tabela sem desconto, no total de seis patrocinadores, são eles: Casas Bahia, Cervejaria Petrópolis (Itaipava), General Motors (Chevrolet), Hypera Pharma, Itaú e Vivo. (fonte: Meio & Mensagem)

Deste volume, são repassados valores mensais aos clubes R$ 1,5 milhões. A cada ano a Globo desembolsa em média R$ 2,0 bilhões com o futebol, equivale a mais de 2.300 inserções de 30” no Jornal Nacional, algo como 08 inserções a cada dia útil, o que não é pouco. Com reajustes anuais, em 2020, a Globo distribuiu em torno de R$ 190 milhões por aparições na TV Aberta, e outros R$ 95 milhões na TV Fechada. Cada jogo na Globo vale em torno de R$ 1,1 milhão para cada time na TV Aberta, e em torno de R$ 700 mil no Sportv. (fonte: UOL)

Só que após a embalagem perfeita desenvolvida pela Globo, os eventos esportivos viram produtos prime e rodeados de cobiça. E sabemos que concorrente é para sempre mais um dia, ainda mais conscientes que as Federações e Confederações são fiéis apenas ao seu faturamento. E por obviedade, o leilão do melhor preço pelos direitos de transmissão ocorre naturalmente em cada renovação de contrato. E elas, as associações e times, pouco se importam na entrega da grade, podem até se arrepender ou sofrer críticas antes e depois, mas o orçamento em curso fica equilibrado.

Nessas disputas quem perde são as marcas patrocinadoras dos atletas, clubes e seleções, uma vez que dia após dia, as reportagens agregam visibilidade. Tudo isso, acompanhada da conveniência e oportunismo recíprocos dos clubes e seleções, que recebem direitos de imagens antecipados e vivem pressionando por mais dinheiro. Mas quem paga a conta são patrocinadores, que tem interesses focados na entrega do projeto anual, e bem menos no produto ou evento. Se as empresas patrocinadoras fossem fiéis, migrariam quando as competições mudam de rede, no entanto, recolhem seus investimentos quando o projeto visa só transmitir, eles querem mesmo a entrega total na grade da programação.

A última ENTREGA, INTRIGAS & INTERE$$E$ ocorreu na Copa América 2021, atingindo o limite de briga de vizinho traído que vendeu o sofá. As redes sociais circulando memes, satirizando a Globo, alegando que se ela transmitisse estaria com protocolos de segurança da pandemia, mas se for o SBT não. Foi um absurdo, passaram dos limites do ridículo, tivemos que assistir os jornalistas globais com narrativas histéricas para justificar o injustificável, sem revelar a verdade dos bastidores, que foi preterida pela oferta financeira recebida pela Conmebol e CBF.

Com uma inegável grade com pontos médios superiores aos seus concorrentes, a Globo usou todo seu arsenal jornalístico esportivo contra, divulgando apenas o protocolar discreto e sintético, uma forma de protestar que foi traída pelo oportunismo das associações, apostando que elas vão refletir numa próxima queda de braço, será?

Por outro lado, cabe as redes que buscam transmitir os grandes eventos esportivos investirem na qualidade da programação, e ter na sua grade uma entrega jornalística ampla, que justifique os projetos nos mesmos moldes, porque a entrega inegavelmente vale mais que o evento. Os clubes na outra ponta, também não perdem tempo, ampliam transmissões privadas em canais digitais, tudo para valorizar seus direitos de transmissão e negociar mais investimentos com as grandes redes e Confederações.

Atualmente são inúmeras as oportunidades com novos canais digitais de transmissão, e vários modelos de negócios vão continuar evoluindo em sintonia com novas tecnologias. Mas sempre é importante lembrar que oportunismo é bem diferente de oportunidade, e os clubes jamais devem esquecer de avaliar que orçamento publicitário tem limites, e os estrategistas de mídia e marketing sabem desenvolver alternativas, e utilizam muito bem seus budgets para suprir as necessidades de comunicação das empresas, e conhecem o limite do orçamento, pois e quem manda é o cliente, sempre. E neste caso, é bom lembrar uma frase máxima do futebol adaptada ao texto, “Combinaram com os russos?”: Se as associações, clubes e jogadores querem receber mais, é melhor combinar antes com as grandes redes de televisão e seus patrocinadores. Até porque a entrega que evitará a intriga é um blend do bom senso e comportamento ético visando a longevidade da cadeia produtiva dos eventos esportivos, e o valor da exclusividade pode não se adequar ao preço justo para os anunciantes.


Laércio Ferreira da Silva

CEO – Instituto INFOOH

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